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09 julho 2013

"A boa lei eleitoral deveria garantir que fôssemos governados apenas por políticos íntegros e qualificados. Simples, não?"

"Mas não há reforma que possa garantir isto".
A opinião é do professor e cientista político Fernando Limongi, da Universidade de São Paulo (USP).


'Regeneração' da vida pública Fernando Limongi *
Artigo publicado no Jornal O Estado de S. paulo, 7 de julho de 2013, p. E3.

A temporada de caça às bruxas está aberta. A classe política foi condenada porque inoperante, incapaz e desconectada do povo. Como a classe política é uma criatura das leis eleitorais, segue que essas devem ser reformadas. Duro entender que Renan Calheiros - um exemplo dos cartazes empunhados, mas cada um pode escolher o seu preferido, de Tiririca a Dilma, passando por Sarney e tutti quanti - tenha mandato eleitoral. Fosse a escolha ditada por outras regras, cidadãos em desacordo tão flagrante com os interesses do povo não nos governariam.
É preciso ter claro o que se pode e o que não se pode obter com reformas eleitorais. Se aprovadas, algumas das propostas ventiladas acarretarão mudanças. A estrutura de incentivos dos políticos vai mudar e os partidos terão que revisar suas estratégias. Mas isso está longe de assegurar a pretendida regeneração da vida política, o que quer que isso seja. A experiência comparada, isto é, as lições que podem ser derivadas de reformas eleitorais feitas no Brasil e no mundo, não autorizam conclusões seguras. Ninguém sabe ao certo os resultados de pequenas mudanças, quanto mais de grandes. Pode-se apostar. O número de variáveis em interação é grande e é muito difícil prever como todas as peças se acomodarão. Intenções e expectativas originais raramente se materializam. Não poucas vezes, os resultados foram verdadeiramente desastrosos. Sejamos francos, os sucessivos projetos de reforma não foram derrotados por uma conspiração comandada pelos políticos e seus interesses mesquinhos. A razão é mais simples e trivial: não há acordo sobre as relações causais envolvidas.
Não existe país no mundo que esteja plenamente satisfeito com as leis eleitorais que adota. Uma parte considerável olha para seus vizinhos com inveja. O cenário é paradoxal. O país A acredita que resolverá todos os seus problemas se adotar as leis praticadas por B e B quer copiar A para assegurar sua entrada para o paraíso. Por muito tempo, especialistas de todos os matizes condenaram as leis eleitorais adotadas pelo Brasil. Representação proporcional com lista aberta era o patinho feio da história. Os ventos mudaram de direção e, hoje, é um dos modelos mais recomendados, contando até com aval do Banco Mundial para diminuir a corrupção e aumentar o controle dos políticos pelos cidadãos.
Talvez, pode se objetar, o problema esteja na opção pela reforma. O momento pede ousadia, não é hora de reformar, mas de revolucionar as práticas. A proposta mais radical foi feita pelo presidente do STF. Joaquim Barbosa propôs candidaturas avulsas como uma forma de dar espaço ao novo. Partidos perderiam seu monopólio. Barbosa está em uma situação privilegiada para defender essa opção: já é conhecido nacionalmente em virtude da exposição mediática que recebeu ao longo do julgamento do mensalão... Nem todos contariam com a mesma facilidade. Candidaturas avulsas favorecem aqueles que contam com recursos para fazer campanhas.
Financiamento público de campanha tampouco vai alterar as coisas radicalmente. A proposta de plebiscito encaminhada pela presidente Dilma oferece três alternativas: privada, mista e pública. Pois é, talvez não se tenha consciência disto, mas o fato é que o Brasil hoje pratica o financiamento misto e um misto que está muito mais próximo do público que do privado. A propaganda eleitoral gratuita é financiada com dinheiro público. O que os partidos brasileiros recebem de graça é o sonho de consumo de muitos políticos mundo afora. Perguntem ao Obama se não é assim.
Acreditava-se que horário eleitoral gratuito equilibraria a competição política, neutralizando o peso do poder econômico e eliminando a corrupção. Não o fez por duas razões que se reforçam. Primeiro porque é distribuído de acordo com o desempenho nas eleições anteriores e, segundo, porque os recursos que cada partido arrecada para produzir campanhas afeta a qualidade de seus programas e, consequentemente, suas chances de vitória. O modelo atual, paradoxalmente, contribui para fechar a competição, favorecendo os partidos grandes. A discussão consequente, portanto, não é entre financiamento privado ou público, mas sim como os recursos públicos serão distribuídos entre os diferentes partidos de forma a equalizar a competição.
O debate é alimentado por altas doses de irrealismo. Cada um projeta sobre as reformas suas esperanças e, implicitamente, se arvora a intérprete autorizado dos verdadeiros anseios do povo. O que une todos parece ser a expectativa de que as "verdadeiras reformas" impedirão a eleição dos políticos que nomearam nos cartazes que levaram às ruas. A boa lei eleitoral deveria garantir que fôssemos governados apenas por políticos íntegros e qualificados. Simples, não? Mas não há reforma que possa garantir isto. Nem pode haver. Não há acordo sobre quem seriam os políticos virtuosos que deveriam receber a confiança do popular. Este dissenso fundamental não será alterado por nenhuma reforma. O eleitorado é o juiz em última instância. Ainda bem.

* Fernando Limongi é professor titular de ciência política e coordenador do Núcleo de Política Comparada e Internacional da USP  

 
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