Artigo de Márcio Pochmann, do IPEA *
"Sem uma revisão do sentido econômico do Mercosul, a trajetória das relações comerciais pode aprofundar ainda mais as características históricas dos países latino-americanos. Ou seja, a tendência para a produção e exportação de produtos primários em associação a uma dinâmica local subordinada à internacionalização dos seus parques produtivos".
O Mercosul se constituiu marcado por duas vertentes fundamentais. A primeira, de natureza política, derivou do processo de redemocratização em curso naquela época na região, ao mesmo tempo em que se procurava interromper a herança militar belicosa entre a Argentina e o Brasil.
A segunda vertente, de natureza econômica, buscava reproduzir o sentido da integração latino-americana proposto por cepalinos nos anos 1950, enquanto possibilidade de levar mais adiante o processo de industrialização na região. Tudo isso, é claro, sob a hegemonia dos Estados Unidos.
Algumas décadas depois, não parece haver dúvidas a respeito do sucesso político do Mercosul. O regime democrático encontra-se consolidado, com importantes manifestações adotadas conjuntamente pelos membros do bloco em prol de sua continuidade, especialmente nos momentos em que dificuldades apareceram em alguns países da região.
Já em relação à vertente econômica pairam ainda dúvidas. De um lado, o avanço comercial do Mercosul se mostrou positivo diante das vulnerabilidades às quais estiveram expostas as economias latino-americanas.
Mas, de outro, a rapidez com que avançou a integração econômica promovida pelo setor privado tornou insuficiente o conjunto de esforços voltados para a regulação pública do mercado comum. Em função disso, as assimetrias entre os países não se reduziram, pelo contrário. Atualmente, a economia brasileira é seis vezes maior que a argentina. Era três vezes maior no momento de surgimento do Mercosul.
Ademais, deve-se considerar também que a combinação do declínio estadunidense com a rápida ascensão chinesa repercute fortemente sobre o sentido esperado da promoção da industrialização alargada na região. O Mercosul passou a deter maior relevância num novo contexto mundial de multipolarização do desenvolvimento produtivo, que se diferencia daquele verificado durante o momento de sua constituição, em que os Estados Unidos exerciam uma espécie de centralidade unipolar.
No ano 2000, por exemplo, mais de 24% do total das exportações do Brasil eram direcionadas aos Estados Unidos, enquanto eram 12% na Argentina, 9,3% no Uruguai e menos de 4% no Paraguai. Nove anos depois, em 2009, a participação relativa das exportações dos países do Mercosul para os EUA no total das vendas externas tornou-se menor. A maior queda relativa ocorreu no Uruguai (57,8%), seguido do Brasil (57,6%), do Paraguai (56,4%) e da Argentina (45%).
Nesse mesmo período, nota-se um movimento generalizado de primarização da pauta de exportação do Mercosul para os Estados Unidos. Na Argentina, os bens primários passaram de 64,1% para 80,9% das exportações, enquanto no Uruguai foi de 45,3% para 80,8% e no Paraguai de 76,5% para 80,9%. Simultaneamente, percebe-se também que as importações dos países do Mercosul provenientes dos Estados Unidos mantiveram-se concentradas nos bens e serviços de alta e média tecnologia. Brasil e Uruguai reduziram o peso das importações intensivas em tecnologia de 75,5% para 67,9% e de 75,1% para 74,6%, enquanto Argentina (de 73,3% para 73,9%) e Paraguai (de 66,9% para 76,9%) aumentaram.
Após essa breve descrição acerca da evolução comercial do Mercosul com os EUA, cabe considerar as trocas com a China. Nesse caso, a Argentina e o Brasil foram os países que mais ampliaram o peso das exportações para o país asiático. Entre 2000 e 2009, por exemplo, as exportações para a China passaram de 2% para 13% no Brasil e de 3% para 7% na Argentina. Os demais países do Mercosul não apresentaram grandes alterações, uma vez que no Uruguai a exportação manteve-se em 4% do total e no Paraguai passou de 0,7% para 1%.
No comércio do Mercosul com a China verifica-se outra evolução interessante. Entre 2000 e 2009, as exportações da China para os quatro países do bloco modificaram-se distintamente. No Brasil houve o crescimento de 140%, de 100% no Uruguai e de 50% na Argentina. No caso das importações, destaca-se que, no mesmo período de tempo, as importações da China provenientes do Brasil aumentaram de 0,7% do total para 2,8%, enquanto as com origem na Argentina e no Uruguai mantiveram-se estáveis.
Por fim, resta ressaltar que na pauta de exportação do Mercosul para a China seguem com maior peso relativo os produtos primários e intensivos em recursos naturais, que já equivalem a mais de 4/5 do total. Na composição das importações do Mercosul ocorre o contrário, com o predomínio dos bens e serviços de média e alta tecnologia, responsáveis por mais de 60% de tudo o que é originário da China.
Em síntese, pode-se concluir que as relações comerciais entre Mercosul, os EUA e a China seguem acentuadamente desbalanceadas em relação ao valor agregado dos produtos. Sem uma revisão do sentido econômico do Mercosul, a trajetória das relações comerciais pode aprofundar ainda mais as características históricas dos países latino-americanos. Ou seja, a tendência para a produção e exportação de produtos primários em associação a uma dinâmica local subordinada à internacionalização dos seus parques produtivos.
Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Escreve mensalmente às quintas-feiras.
A segunda vertente, de natureza econômica, buscava reproduzir o sentido da integração latino-americana proposto por cepalinos nos anos 1950, enquanto possibilidade de levar mais adiante o processo de industrialização na região. Tudo isso, é claro, sob a hegemonia dos Estados Unidos.
Algumas décadas depois, não parece haver dúvidas a respeito do sucesso político do Mercosul. O regime democrático encontra-se consolidado, com importantes manifestações adotadas conjuntamente pelos membros do bloco em prol de sua continuidade, especialmente nos momentos em que dificuldades apareceram em alguns países da região.
Já em relação à vertente econômica pairam ainda dúvidas. De um lado, o avanço comercial do Mercosul se mostrou positivo diante das vulnerabilidades às quais estiveram expostas as economias latino-americanas.
Mas, de outro, a rapidez com que avançou a integração econômica promovida pelo setor privado tornou insuficiente o conjunto de esforços voltados para a regulação pública do mercado comum. Em função disso, as assimetrias entre os países não se reduziram, pelo contrário. Atualmente, a economia brasileira é seis vezes maior que a argentina. Era três vezes maior no momento de surgimento do Mercosul.
Ademais, deve-se considerar também que a combinação do declínio estadunidense com a rápida ascensão chinesa repercute fortemente sobre o sentido esperado da promoção da industrialização alargada na região. O Mercosul passou a deter maior relevância num novo contexto mundial de multipolarização do desenvolvimento produtivo, que se diferencia daquele verificado durante o momento de sua constituição, em que os Estados Unidos exerciam uma espécie de centralidade unipolar.
No ano 2000, por exemplo, mais de 24% do total das exportações do Brasil eram direcionadas aos Estados Unidos, enquanto eram 12% na Argentina, 9,3% no Uruguai e menos de 4% no Paraguai. Nove anos depois, em 2009, a participação relativa das exportações dos países do Mercosul para os EUA no total das vendas externas tornou-se menor. A maior queda relativa ocorreu no Uruguai (57,8%), seguido do Brasil (57,6%), do Paraguai (56,4%) e da Argentina (45%).
Nesse mesmo período, nota-se um movimento generalizado de primarização da pauta de exportação do Mercosul para os Estados Unidos. Na Argentina, os bens primários passaram de 64,1% para 80,9% das exportações, enquanto no Uruguai foi de 45,3% para 80,8% e no Paraguai de 76,5% para 80,9%. Simultaneamente, percebe-se também que as importações dos países do Mercosul provenientes dos Estados Unidos mantiveram-se concentradas nos bens e serviços de alta e média tecnologia. Brasil e Uruguai reduziram o peso das importações intensivas em tecnologia de 75,5% para 67,9% e de 75,1% para 74,6%, enquanto Argentina (de 73,3% para 73,9%) e Paraguai (de 66,9% para 76,9%) aumentaram.
Após essa breve descrição acerca da evolução comercial do Mercosul com os EUA, cabe considerar as trocas com a China. Nesse caso, a Argentina e o Brasil foram os países que mais ampliaram o peso das exportações para o país asiático. Entre 2000 e 2009, por exemplo, as exportações para a China passaram de 2% para 13% no Brasil e de 3% para 7% na Argentina. Os demais países do Mercosul não apresentaram grandes alterações, uma vez que no Uruguai a exportação manteve-se em 4% do total e no Paraguai passou de 0,7% para 1%.
No comércio do Mercosul com a China verifica-se outra evolução interessante. Entre 2000 e 2009, as exportações da China para os quatro países do bloco modificaram-se distintamente. No Brasil houve o crescimento de 140%, de 100% no Uruguai e de 50% na Argentina. No caso das importações, destaca-se que, no mesmo período de tempo, as importações da China provenientes do Brasil aumentaram de 0,7% do total para 2,8%, enquanto as com origem na Argentina e no Uruguai mantiveram-se estáveis.
Por fim, resta ressaltar que na pauta de exportação do Mercosul para a China seguem com maior peso relativo os produtos primários e intensivos em recursos naturais, que já equivalem a mais de 4/5 do total. Na composição das importações do Mercosul ocorre o contrário, com o predomínio dos bens e serviços de média e alta tecnologia, responsáveis por mais de 60% de tudo o que é originário da China.
Em síntese, pode-se concluir que as relações comerciais entre Mercosul, os EUA e a China seguem acentuadamente desbalanceadas em relação ao valor agregado dos produtos. Sem uma revisão do sentido econômico do Mercosul, a trajetória das relações comerciais pode aprofundar ainda mais as características históricas dos países latino-americanos. Ou seja, a tendência para a produção e exportação de produtos primários em associação a uma dinâmica local subordinada à internacionalização dos seus parques produtivos.
Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Escreve mensalmente às quintas-feiras.
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