A carta aberta e pungente de Lêdo Ivo, grande escritor brasileiro e recém convertido a publicista de causas como a de transformar a obra de Manuel Bandeira em uma questão de utilidade pública.
Herdeiros famélicos
Lêdo Ivo
Poeta e escritor, jamais me atrevo a falar em nome da tribo a que pertenço. E, de quatro em quatro anos, assisto ao movimento de cineastas gulosos, confrades frenéticos, apetitosas beldades eletrônicas, patéticas donas de casa, vetustos professores inaposentáveis, instaladores de instalações e até jogadores de futebol e bola ao cesto que se reúnem buliçosamente para apresentar aos candidatos presidenciais um rol de reivindicações artísticas e monetárias.
Todos se proclamam intelectuais - o que não deixa de juncar-me de inveja, já que não sei onde começa e onde termina o intelecto, e o império da certeza não faz parte de minha geografia.
Nas reuniões tumultuosas, esse trivial fino das letras e artes, e prendas domésticas, exige aquilo que todo brasileiro, do mendigo ao banqueiro, reclama do Poder Público: dinheiro. Querem a pecúnia do Erário para custear filmes, exposições, sonetos, peças teatrais, jogos, viagens ao exterior (de preferência na classe executiva). Em nome da Pátria, pleiteiam um bom financiamento para as suas fantasias e pesadelos.
Descabe discutir aqui se ao Estado compete ou não sustentar tantos sonhos e ambições, se o seu papel deve ser o do mecenas esfuziante ou o de verdugo implacável. Desejo apenas notar, nesse catálogo de reivindicações, a ausência de um item que me parece relevante. Refiro-me ao problema do direito de imagem - nesta época da imagem e dos espetáculos vertiginosos - engastado na lei dos direitos autorais.
A atual legislação me proíbe de publicar as incontáveis fotos que possuo de Manuel Bandeira. Proíbe-me até mesmo de usar aquelas em que estou ao seu lado. Proíbe-me ainda de divulgar as cartas de Clarice Lispector, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Lucio Cardoso ou qualquer outro integrante do meu universo afetivo. Pela lei, elas não me pertencem, embora dirigidas a mim. Por 70 anos, pertencem a parentes de quem as enviou. Caso ouse expô-las ao sol, serei processado judicialmente. Para divulgá-las, a legislação me aponta o caminho da negociação monetária. Terei de pagar aos herdeiros, através de judiciosos agentes literários que não dormem de touca.
Fui amigo de Manuel Bandeira durante trinta anos. Ele era solteiro e solitário e não deixou nenhum descendente direto. Que herdeiros são esses, que jamais o visitaram em sua solidão? Não os conheci nem de vista nem de chapéu. E a sua situação é a mesma de outros poetas e escritores mortos.
Tenho uma reivindicação a fazer à enérgica Presidente Dilma Rousseff. Peço-lhe que incorpore a obra de Manuel Bandeira ao patrimônio nacional. Livre-a dos herdeiros famélicos, dos fominhas póstumos, e a entregue ao nosso povo.
LÊDO IVO é membro da Academia Brasileira de Letras.
Artigo publicado em O Globo, 30/1/2011.
Leia também O inferno astral do neoliberalismo
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30 janeiro 2011
O presidencialismo federativo brasileiro
O Estado brasileiro é presidencialista e federalista. Estes dois pilares fundamentam a forma como o Estado se organiza e a maneira como a política se desenvolve em nosso país.
O texto "Poder Executivo: configuração histórico-institucional" faz um apanhado da literatura mais conhecida e das teses consagradas pela Ciência Política para explicar o presidencialismo e o federalismo, apontando também algumas de suas lacunas.
Está publicado na coletânea do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre Estado, instituições e democracia, volume 1 (República).
Clique para abrir e fazer o download de
LASSANCE, Antonio. Poder Executivo: configuração histórico-institucional. In: INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Estado, instituições e democracia: República.
Brasília: IPEA, 2010. Coleção Estado, instituições e democracia, Volume 1. Páginas 65-95.
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24 janeiro 2011
Brasil em desenvolvimento
Publicação do IPEA traz dados e análises importantes sobre o Estado e políticas públicas no Brasil. Indispensável para um debate qualificado.
Volume 1:
O capítulo 1 apresenta uma análise bastante reveladora da trajetória do crescimento econômico de 1995 a 2009.
O capítulo 3 traz um estudo que contraria o que normalmente se ouve e se lê a respeito de gasto público e tamanho do Estado no Brasil. Demonstra que o gasto de custeio está estabilizado e o governo federal está consolidando um padrão de intervenção que se revela cada vez mais canalizador ou redistribuidor de recursos.
O capítulo 4 mostra que já está mais do que na hora do Brasil estabelecer um novo paradigma fiscal, capaz de favorecer a retomada do investimento e fortalecer institucionalmente o Estado para cumprir os desafios do desenvolvimento.
O capítulo 5 mostra que o Governo Lula conseguiu, em plena crise econômica internacional e diante de seus efitos no Brasil, retomar a trajetória de crescimento do gasto social, contribuindo com as ações anticíclicas de reversão dos impactos da crise.
Disponível gratuitamente para baixar e ler:
IPEA. Brasil em desenvolvimento. Brasília: IPEA, 2010.
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O capítulo 3 traz um estudo que contraria o que normalmente se ouve e se lê a respeito de gasto público e tamanho do Estado no Brasil. Demonstra que o gasto de custeio está estabilizado e o governo federal está consolidando um padrão de intervenção que se revela cada vez mais canalizador ou redistribuidor de recursos.
O capítulo 4 mostra que já está mais do que na hora do Brasil estabelecer um novo paradigma fiscal, capaz de favorecer a retomada do investimento e fortalecer institucionalmente o Estado para cumprir os desafios do desenvolvimento.
O capítulo 5 mostra que o Governo Lula conseguiu, em plena crise econômica internacional e diante de seus efitos no Brasil, retomar a trajetória de crescimento do gasto social, contribuindo com as ações anticíclicas de reversão dos impactos da crise.
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21 janeiro 2011
A luta pelos direitos civis: a organização dos negros nos EUA
Livro demonstra que as organizações dos negros, nos EUA, tiveram papéis-chave na luta pelos direitos civis e contra o regime de segregação racial que vigorou naquele país, de forma institucionalizada, até a década de 1960.
Uma de suas autoras é a renomada cientista política Theda Skocpol, junto com Ariane Liazos e Marshall Ganz.
Eles descobriram que desde o século XIX até meados do século XX, milhões norte-americanos negros participaram de associações comunitárias, fraternais, confrarias e irmandades. Elas ofereciam ajuda a seus membros e coesionavam seus associados na luta por direitos.
Segundo os autores, esse tipo de organização solidária era até mais comum entre os negros do que entre brancos. O livro, publicado em 2006, revela detalhes da forma de organização e das estratégias de luta. Uma referência certamente fundamental para o debate.
SKOCPOL, T., LIAZOS, Ariane, and GANZ, Marshall. What a Mighty Power We Can Be: African American Fraternal Groups and the Struggle for Racial Equality. Princeton: Princeton University Press, 2006.
Na foto acima, o presidente John Kennedy, na Casa Branca, rodeado por líderes em defesa dos direitos civis dos negros.
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19 janeiro 2011
Retórica presidencial
O especialista Max Atkinson analisou os "truques" retóricos de John Kennedy (1917-1963), o 35º presidente dos EUA.
Segundo ele, a receita inclui:
1. Enfatizar, explorando o contraste de ideias;
2. Listar as ideias (máximo de três);
3. Combinar contraste e lista
4. Aliteração*
5. Usar imagnes fortes
6. Calibrar o discurso conforme sua audiência.
* Aliteração: repetição das mesmas letras ou sílabas.
JFK's inaugural speech: Six secrets of his success
By Max Atkinson Rhetoric expert. BBC, 19 January 2011
John F Kennedy delivers his inaugural speech The poetic "ask not" quotation is among the speech's most memorable lines
President John F Kennedy would have been delighted to know that his inaugural address is still remembered and admired 50 years later.
Like other great communicators - including Winston Churchill before him and Ronald Reagan and Barack Obama since then - he was someone who took word-craft very seriously indeed.
Continue reading the main story
Recipe for Success
* 1. Contrasts
* 2. Three-part lists
* 3. Contrasts combined with lists
* 4. Alliteration
* 5. Bold imagery
* 6. Audience analysis
He had delegated his aide Ted Sorensen to read all the previous presidential inaugurals, with the additional brief of trying to crack the code that had made Abraham Lincoln's Gettysburg address such a hit.
Fifty years on, the debate about whether he or Sorensen played the greater part in composing the speech matters less than the fact that it was a model example of how to make the most of the main rhetorical techniques and figures of speech that have been at the heart of all great speaking for more than 2,000 years. Most important among these are:
* Contrasts: "Ask not what your country can do for you, but what you can do for your country"
* Three-part lists: "Where the strong are just, and the weak secure and the peace preserved"
* Combinations of contrasts and lists (by contrasting a third item with the first two): "Not because the communists are doing it, not because we seek their votes, but because it is right"
If the rhetorical structure of sentences is one set of building blocks in the language of public speaking, another involves simple "poetic" devices such as:
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Watch JFK's speech
JFK's speech highlights
* Choose highlights and read Max Atkinson's commentary
* Alliteration: "Let us go forth to lead the land we love"
* Imagery: "The torch has been passed to a new generation of Americans"
In general, the more use of these a speaker makes, the more applause they will get and the more likely it is that they will be recognised as a brilliant orator.
But great communicators differ as to which of these techniques they use most.
Presidents Reagan and Obama, for example, stand out as masters of anecdote and story-telling, which didn't feature at all in JFK's inaugural. Mr Obama also favours three-part lists, of which there were 29 in his 10-minute election victory speech in Chicago.
Stark warning
Kennedy, however, used very few in his inaugural address. For him, contrasts were the preferred weapon, coming as they did at a rate of about one every 39 seconds in this particular speech. Some were applauded and some have survived among the best-remembered lines.
He began with three consecutive contrasts:
* "We observe today not a victory of party but a celebration of freedom"
* "Symbolizing an end as well as a beginning"
* "Signifying renewal as well as change"
From the 20 or so he used, other widely quoted contrasts, all of which were applauded, include:
* "If a free society cannot help the many who are poor, it cannot save the few who are rich"
* "Let us never negotiate out of fear. But let us never fear to negotiate"
* "My fellow citizens of the world: ask not what America will do for you, but what together we can do for the freedom of man"
The speech also bristled with imagery, starting with a stark warning about the way the world has changed because "man holds in his mortal hands the power to abolish all forms of human poverty and all forms of human life."
People of the developing world were "struggling to break the bonds of mass misery."
Ronald Reagan Ronald Reagan was a master of anecdote
JFK vowed to "assist free men and free governments in casting off the chains of poverty" and that "this hemisphere intends to remain the master of its own house."
He sought to "begin anew the quest for peace before the dark powers of destruction unleashed by science engulf all humanity", hoped that "a beachhead of cooperation may push back the jungle of suspicion" and issued a "call to bear the burden of a long twilight struggle."
First inaugural designed for the media?
Impressive though the rhetoric and imagery may have been, what really made the speech memorable was that it was the first inaugural address by a US president to follow the first rule of speech-preparation: analyse your audience - or, to be more precise at a time when mass access to television was in its infancy, analyse your audiences.
In the most famous fictional speech of all time, Mark Antony had shown sensitivity to his different audiences in Shakespeare's Julius Caesar by asking his "Friends, Romans, countrymen" to lend him their ears. But Kennedy had many more audiences in mind than those who happened to be in Washington that day.
His countrymen certainly weren't left out, appearing as they did in the opening and towards the end with his most famous contrast of all: "Ask not..." But he knew, perhaps better than any previous US president, that local Americans were no longer the only audience that mattered. The age of a truly global mass media had dawned, which meant that what he said would be seen, heard or reported everywhere in the world.
At the height of the Cold War, Kennedy also had a foreign policy agenda that he wanted to be heard everywhere in the world. So the different segments of the speech were specifically targeted at a series of different audiences:
* "Let every nation know, whether it wishes us well or ill"
* "To those new nations whom we welcome to the ranks of the free"
* "To those in the huts and villages of half the globe"
* "To our sister republics south of the border"
* "To that world assembly of sovereign states, the United Nations"
* "Finally, to those nations who would make themselves our adversary"
The following day, there was nothing on the front pages of two leading US newspapers, The New York Times and the Washington Post to suggest that the countrymen in his audience had been particularly impressed by the speech - neither of them referred to any of the lines above that have become so famous.
The fact that so much of the speech is still remembered around the world 50 years later is a measure of Kennedy's success in knowing exactly what he wanted to say, how best to say it and, perhaps most important of all, to whom he should say it.
Max Atkinson is the author of Lend Me Your Ears: All You Need to Know about Public Speaking and Presentation and Speech-making and Presentation Made Easy.
The Gettysburg great
Lincoln's short Gettysburg address had caught JFK's eye. Here is a sample of the speech:
"Four score and seven years ago our fathers brought forth on this continent, a new nation, conceived in Liberty, and dedicated to the proposition that all men are created equal.
"Now we are engaged in a great civil war, testing whether that nation, or any nation so conceived and so dedicated, can long endure. We are met on a great battle-field of that war. We have come to dedicate a portion of that field, as a final resting place for those who here gave their lives that that nation might live. It is altogether fitting and proper that we should do this."
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17 janeiro 2011
O mito do inchaço da máquina pública
Dados do IPEA, consolidados em estudo, mostram que o suposto inchaço da máquina pública é um mito. Sua repetição é feita ou desconhecendo os dados existentes, ou analisando-os de forma míope, sem considerar a trajetória do tema ao longo de pelo menos uma década.
A redução do quantitativo de servidores públicos, que teve início em 1990, interrompeu-se em 2003, mas, o total de servidores civis na ativa é consideravelmente inferior ao de 1989. O patamar é o mesmo de 1997.
O que ocorreu, durante o governo Lula, foi a recomposição dos quadros, além da substituição de terceirizações irregulares por servidores concursados.
O estudo publicado pelo IPEA foi conduzido por Marcelo Viana Estevão de Moraes, Tiago Falcão Silva, Patricia Vieira da Costa, Simone Tognoli Galati Moneta e Luciano Rodrigues Maia Pinto, especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG).
Baixe o documento gratuitamente. Leia e veja os dados.
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Bom governo: a santíssima trindade dos primeiros 100 dias
Em tempos em que o discurso gerencial da eficiência do setor público volta a fazer mais uma investida, dentre as inúmeras que sempre o acompanharam (como uma sombra), aparece sempre alguém para nos salvar do marasmo e relembrar que as políticas públicas precisam, antes de tudo, de significado público.
Em grande estilo, o secretário de Cultura do Governo do Distrito Federal, Hamilton Pereira, poeta celebrizado sob a alcunha de Pedro Tierra, combinou três elementos essenciais que funcionam como santíssima trindade para que uma gestão tenha um bom começo:
1) Dizer a que veio, qual seu significado (Hamilton faz isso com maestria, graças à sua veia poética, o que faz ainda mais sentido em se tratando de uma secretaria de cultura);
2) Apresentar um diagnóstico da situação, confrontando onde se quer chegar com um quadro (no caso do GDF, tétrico) sobre de onde se parte. Uma boa dose de realismo é essencial para administrar expectativas e calibrar as cobranças que virão. Fazer isso sem "fulanizar" os problemas, dando a eles uma dimensão ampla e dedicando-se a exorcizar a situação sem precisar bater a cabeça dos inimigos na parede é um recurso que varia caso a caso. Mais do que prezar pela elegância, o fato é que se os adversários erraram e o fizeram de maneira venal, o espaço para fazer com que paguem por isso é outro (sindicâncias, tomadas de conta especiais, solicitação de investigações pelo Ministério Público e aos órgãos de controle etc);
3) Um plano com as prioridades de curto prazo (os famosos 100 dias), que servem como uma lista sobre a qual o secretário provavelmente fará sua prestação de contas. O plano é apresentado de forma simples e objetiva, como deve ser a uma gestão que tenha, como prioridade número 1, comunicar-se com o público. Basicamente, o plano se articula em objetivos, prazos e métodos de trabalho para cada ação.
Sem prejuízo dos processos de gestão que façam uso de métodos e ferramentas mais sofisticadas, o fato é que muita gestão pública escorrega no básico e se esquece de firmar corretamente seus pontos cardeais. Os gerencialistas que nos desculpem, mas política com "P" maiúsculo é fundamental.
Vejamos o bom exemplo:
Discurso sobre Políticas Públicas de Cultura
Hamilton Pereira
Exmo. Secretário de Cultura do Distrito Federal – Dr. Carlos Alberto, a quem agradeço a gentileza e a correção com que se dispôs a oferecer as condições possíveis para o processo de transição nos últimos dias;
Secretários: Arlete Sampaio, Paulo Tadeu, Olgamir, e demais presentes;
Mestre Teodoro, referência dos artistas populares de Brasília, que chegou aqui pelas mãos de JK e trouxe consigo a mais colorida expressão popular: o Boi do Maranhão
Vladimir Carvalho, construtor de imagem e memória dessa cidade cinematográfica.
Sra. Ministra do Meio Ambiente: Izabela Teixeira
Companheiro Vitor Ortiz, novo Secretário Executivo do MinC,
Companheiros, Antônio Grassi, Sergio Mamberti, João Roberto Peixe, Margarete Moraes, Márcio Meira, Glauber Piva, Nascimento Júnior e demais presentes;
Companheiros militantes dirigentes do meu Partido, o Partido dos Trabalhadores, de cuja construção participo há 30 anos; especialmente quero agradecer aos Companheiros, Nilson Rodrigues, Claudinei Pirelli, Ruiter que tiveram seus nomes disponibilizados pelo PT para liderar a Secretaria de Cultura e ao companheiro Ricardo Moreira que conduziu o processo;
Meus Amigos Vicente Andreu, Antônio Ibañez, José Machado, Egon Krakheke, Horácio Figueiredo:
Servidores Públicos da Secretaria de Cultura do Distrito Federal;
Minha mulher, Juliana;
Meus filhos, Ana Terra, Alexandre e Francisco.
Inicio essas palavras, com versos de Drummond, escritos no imediato pós-guerra quando se reacendiam as esperanças humanas, ainda que assombradas pela hecatombe genocida de Hiroxima e Nagasaki:
“Nalgum lugar faz-se esse homem. Contra a vontade dos pais ele nasce. Contra a astúcia da medicina ele cresce. E ama. Contra a amargura da política. Não lhe convém o débil nome de filho, pois só a nós mesmos podemos gerar. E esse nega, sorrindo a escura fonte. Irmão lhe chamaria, mas irmão por que? Se a vida nova se nutre de outros sais que não sabemos? Ele é seu próprio irmão no dia vasto. Na vasta integração das formas puras. Sublime arrolamento de contrários, enlaçados por fim.”
O século inquieto. O Brasil do século XX buscou definir para si um novo perfil. Deixou para trás o imobilismo do império escravocrata que predominou no século XIX. Tornou-se uma sociedade dinâmica. Injusta, mas dinâmica. Buscou despedir-se da chaga da escravidão e das heranças rurais oligárquicas, mas não venceu o coronelismo; proclamou a República, mas não a realizou culturalmente; buscou tornar-se um país urbano industrial, mas não escapou ainda dos condicionamentos de uma economia agro-exportadora; buscou tornar-se contemporâneo do mundo, mas arrastou consigo os ossos de instituições e comportamentos herdados de séculos anteriores; sonhou com a democracia, mas cresceu sob ditaduras; sonhou com a igualdade, mas produziu uma fratura exposta entre os ricos e os pobres; hoje, adota o discurso da sustentabilidade sócio-ambiental, mais ainda cresce depredando os recursos naturais.
Em meados do século XX o Brasil construiu a Nova Capital como parte do processo de “marcha para o oeste”, da interiorização do desenvolvimento. Assombrou o mundo com a ousadia do plano urbanístico e arquitetônico, mas reproduziu com ela a condenação histórica da Casa-Grande e Senzala, que nos marca a alma desde a colônia cercando-a com o cinturão de barracos para onde regressa, ao fim da tarde, a multidão dos seus construtores.
Os Candangos. Eles vieram de todos os cantos do país. Na mala de papelão ou no saco de aniagem traziam o que era possível trazer. Duas mudas de roupa e uma bagagem de esperanças. E as mãos dispostas a dar forma aos sonhos mais desmesurados, mais impossíveis. Em cinco anos traçaram as linhas leves, modernas, do Plano Piloto, concebidas pela febre criadora de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer; calculadas pela mão invisível de Joaquim Cardozo; revestidas pelos azulejos celestes de Athos Bulcão; estendidas ao horizonte infinito dos cerrados pela inteligência delirante de Darcy Ribeiro; ouvindo as polifonias de Cláudio Santoro, misturadas ao som da sanfona, pandeiro e zabumba, nos forrós da Cidade Livre, sob o impulso de Sayão, a urgência e a ordem implacável de Israel Pinheiro. JK encarnou o país naquele momento. Foi o coração pulsante daquela aventura: nunca na História do Brasil, até então, a realidade perseguira tão de perto os frágeis contornos de uma utopia. Dito de outro modo: nunca, na nossa História a utopia converteu-se tão vertiginosamente em realidade quotidiana, para dissolver-se em seguida nas sombras da noite que se abateu sobre o país no 1º de abril de 1964. E durante duas décadas converteram em pesadelos os sonhos que a sociedade brasileira alimentara.
Brasília, aos quatro anos, foi colhida pela ruptura institucional produzida pelo golpe de estado de 1º de abril de 1964, que rompeu o Estado de Direito, derrubou o Presidente legitimamente eleito e se impôs pela força dos canhões.
Construída como “urbs”, Brasília veio a se consolidar como capital administrativa do país antes de se constituir como “polis”: espaço de afirmação de identidade cultural e exercício da cidadania. Consolidou-se precisamente durante os “anos de chumbo” – mais de duas décadas – enquanto durou a ditadura militar. Consolidou-se sob o reinado do terror. Do silêncio. Da delação. Das perseguições. Da intriga. Da ausência de participação dos cidadãos. Como se fosse um refúgio onde os ditadores se protegiam do clamor das mobilizações sociais. Converteu-se, para usar uma expressão da época, que se perpetuou numa “Ilha da Fantasia”, num escudo de proteção ao poder arbitrário dos generais. Num certo sentido, Brasília se consolidou como negação das concepções generosas que deram impulso à sua invenção e construção.
- Brasília foi humilhada pela desfaçatez, pelo espírito de pilhagem, pela subordinação dos direitos dos cidadãos aos interesses privados de empreiteiras, de fornecedores de equipamentos e serviços, durante os dois últimos governos.
- O processo eleitoral expressou o repúdio dos cidadãos e cidadãs do Distrito Federal ao colapso das instituições provocado pela corrupção generalizada e pela perspectiva privatizante das políticas de ambos os governos e elegeu com quase dois terços dos votos um “Novo Caminho”. Um conjunto de propostas que recupera as experiências de Governos Democráticos e Populares em diversas unidades da federação, inclusive a nossa própria experiência 1995/98, encarnado na liderança do companheiro Governador Agnelo Queiroz.
- A Cultura lida com símbolos. Trabalha permanentemente com memória e invenção. Memória para recolher a expressão da criatividade das gerações anteriores e cultivá-la. Invenção para criar a partir dela a expressão dos sonhos futuros. Cultivar identidades e diversidades que enriquecem o perfil cultural do nosso povo. É cedo para afirmarmos que Brasília é uma síntese do Brasil. Só os séculos produzem sínteses culturais. Brasília ainda é um espelho quebrado da cara do Brasil. Diversa, multicolorida, desigual, insubordinada, viva.
- Brasília abriga um dos mais importantes patrimônios edificados do mundo contemporâneo. Um patrimônio de que brasileiros em geral e os brasilienses em particular se orgulham. Um patrimônio simbólico que visita diariamente os lares e o imaginário dos brasileiros. Reconhecido pela UNESCO como patrimônio cultural da humanidade. Aos brasilienses – estado e sociedade – cabe a tarefa de cuidar dele para cultivar nossa identidade como Capital voltada para o futuro, com uma gestão que, ao mesmo tempo, resgate esses espaços culturais no Plano Piloto e nas demais cidades do DF do estado de abandono em que se encontram. Que produza o conjunto de políticas necessárias à sua ampla utilização pela cidadania. Que vire uma página em que o papel do Estado se reduziu a alugar esses espaços culturais para a iniciativa privada. Que vire uma página em que a Cultura foi amesquinhada e reduzida a uma única dimensão dela: o entretenimento. A legitimidade do voto oferecerá a âncora para sustentar o papel do Estado, democrático e laico como indutor dos processos de produção, difusão e democratização do acesso aos bens e serviços culturais.
- Brasília foi inventada pela imaginação da esquerda. E construída pelas mãos do nosso povo mais pobre: os candangos. As Políticas Públicas de Cultura que defendemos se assentam sobre duas vocações: o exercício da democracia (da participação popular) e o papel do Estado como “indutor dos processos culturais”, porque entendemos cultura como um direito elementar do cidadão, como educação, saúde e outros serviços.
- Diálogo democrático com os criadores e produtores de bens e serviços culturais, com a sociedade política (os partidos da base de apoio do governo), e, nos temas específicos do interesse da cultura com os representantes da oposição na Câmara Legislativa; com os movimentos sociais e culturais (sindicatos, associações cooperativas, grupos culturais, ONGs); com as universidades (públicas e privadas); com as representações estrangeiras presentes na Capital da República (Embaixadas, Organismos Multilaterais ligados à ONU) para conferir a estatura e a consistência adequada às Políticas Públicas de Cultura do GDF. À altura da sua condição de capital da república.
- O professor Anísio Teixeira sonhou com uma educação humanista para os brasileiros. Recusou-se a fazer da escola uma usina, cuja razão social é multiplicar a legião de homens e mulheres amputados de sua capacidade criadora para servir como peças funcionais, reduzi-los a fatores de produção, multidão de cordeiros resignados para alimentar a garganta insaciável do mercado.
- A educação é o braço organizado e organizador da cultura dos povos. Para produzir espírito crítico. Para produzir cidadãos dotados de direitos. Cidadãos e cidadãs que incorporam esses direitos à sua própria condição de seres humanos, no exercício quotidiano da vida. Uma construção que precede, portanto, o ato de materializar direitos em propriedades.
- A sociedade brasileira sob a liderança do Presidente Lula alcançou conquistas expressivas nos últimos anos. Incorporar 32 milhões de pessoas ao mercado de consumo no curto prazo de oito anos não é trivial, em particular num país onde a distância entre ricos e pobres é mediada por um abismo. Está posto diante de nós o desafio: como converter essa conquista de melhores condições de vida por vastos setores da sociedade em efetiva mudança cultural. Do ponto de vista de incorporar valores que se exprimam em comportamentos, em atitudes em defesa da vida, da liberdade, da justiça, do direito ao trabalho, à cultura, do cuidado com os mais vulneráveis, da solidariedade, da sustentabilidade ambiental, da soberania e da paz. A eleição da companheira Dilma Rousseff e a magnífica acolhida que o povo brasileiro ofereceu a ela na tarde de 1º de janeiro de 2011 expressam de forma cabal o desejo da sociedade de aprofundar o processo lançado por esse filho do Brasil: o operário, o estadista Luiz Inácio Lula da Silva.
- Quem vos dirige a palavra neste momento. Um militante. Faço parte de uma geração de brasileiros que foi precocemente lançada à vida pública, na segunda metade do século XX, quando anoitecera o Continente, antes que viesse a ser velado pela Operação Condor, em condições consideravelmente adversas e, por essa razão, a polícia se apresentou antes do vestibular...
- Resistência à Ditadura militar. Clandestinidade, prisão, tortura, testemunho de brutalidades indescritíveis. Nomes: Carlos Marighella, Aurora Maria do Nascimento, Luiz José da Cunha, o Crioulo, Gastone Beltrão, José Porfírio de Souza, Alexandre Vannucchi Leme, Josimo Tavares. Paixão pela palavra em poesia. Alguns livros escritos. Cassação dos Direitos Políticos. Participação na reconstrução dos movimentos sociais, particularmente no campo. Construção do Partido dos Trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. E da Fundação Perseu Abramo, que tive a honra de presidir. Já estive aqui antes. Como Secretário de Cultura, na última metade do governo do Prof. Cristovam Buarque. Hoje regresso para assumir compromissos construídos a muitas mãos e que serão cumpridos a muitas mãos:
UM NOVO CAMINHO PARA A CULTURA DO DF
13 AÇÕES PARA OS 100 PRIMEIROS DIAS
1. 3ª Conferência Distrital de Cultura, Rumo ao SISTEMA DISTRITAL DE CULTURA
a. Objetivo: Reconstruir as relações entre o Estado e a Sociedade, fortalecendo instância de participação e afirmando o Sistema Distrital de Cultura.
b. Prazo: Aniversário de Brasília
c. Método: Indicação pelo Secretario do GT de políticas Culturais.
2. Edital de Circulação para pequenos projetos artísticos culturais.
a. Objetivo: Incluir grupos semi-profissionais e/ou regionais no fomento público para realização de espetáculos nas Regiões Administrativas. Ação de Descentralização da Cultura.
b. Prazo: Abril 2010
c. Método: Criação, pelo Secretario, do GT de Políticas Culturais, que em parceria com o setor de orçamento e licitações viabilizará o Edital.
3. FAC Em Dia
a. Objetivo: Acabar ou minimizar as pendências relacionadas ao FAC e preparar a estrutura necessária para o FAC 2011.
b. Prazo: 10 de abril de 2011
c. Método: Verificar e zerar as pendências financeiras (restos a pagar e empenhos não realizados) e burocráticas (prestação de contas não realizadas), sendo necessária para esta etapa a alocação de mais servidores para esta tarefa.
d. Iniciar um cronograma de formação para os agentes culturais, capacitando-os a fazer os projetos e prestações de conta.
e. Criar um GT, apoiado pela assessoria jurídica, que continuará o processo de negociação junto ao ministério público, visando a “flexibilização” de regras do edital como, por exemplo, a de impessoalidade nos projetos.
4. Anúncio do Plano de Revitalização dos Espaços Culturais do DF
a. Objetivo: Recuperar e revitalizar todos os espaços públicos culturais do DF.
b. Prazo: 10 de abril de 2010
c. Método: Criação do GT de elaboração do Plano. O GT será composto pelo Gabinete do Secretário, membros da SC-GDF nomeados pelo Secretário e convidados das secretarias de Obras e Educação. O início do Plano serão ações no processo de Revitalização do Cine Brasília, do Centro Cultural da 508 Sul, na Casa do Cantador, no Cine Itapuã e o Espaço Cultural de Ceilândia.
5. USINA DE PROJETOS
a. Objetivo: Produção de Projetos e Iniciativas que coloquem o DF e a Cultura na agenda da cidade, do país e do mundo.
b. Prazo: 10 de abril de 2011
c. Método: Nomeação do Secretário.
6. Assinatura Convênios com MinC
a. -Plano Nacional de Cultura
b. - Sistema Nacional de Cultura
c. - Programa Mais Cultura
d. Objetivo: Integrar o DF nas políticas públicas nacionais de Cultura.
e. Prazo: Fevereiro de 2010
f. Método: Ação do Secretário. Priorizar Pontos de Cultura.
7. Aniversário de Brasília
a. Objetivo: Incorporar as ações do Governo às Festas do 51º Aniversário de Brasília.
b. Prazo: Abril 2010.
c. Método: O Secretário indicará os representantes da SC que integrarão a comissão das festividades do 51º Aniversário de Brasília. Serão elencadas ações próprias da SC a serem realizadas pela Secretaria no marco dos 51º Aniversário de Brasília.
8. Ações de interface com a Secretaria de Educação
a. - Ações nas escolas
b. - Ações de Livro e Literatura
c. Objetivo: Promover as políticas culturais e educacionais que garantam o acesso, a formação de público e revelação de talentos na esfera da rede pública de ensino/Sistema de Educação.
d. Prazo: 10 de abril
e. Método: Criar interlocução entre as duas secretarias que planejem e executem projetos e programas com vistas aos objetivos acima.
9. Carnaval para tod@s
a. Objetivo: Fortalecer o Carnaval como uma Festa Popular e Democrática, procurando a descentralização de recursos e das manifestações.
b. Prazo: Janeiro 2010
c. Método: GT indicado pelo Secretário para negociar e viabilizar as ações necessárias que cumpram o objetivo.
10. Grupo de Trabalho Reforma Administrativa da Secretaria de Cultura GDF
a. Objetivo: Elaborar uma proposta de Reforma Administrativa da SC que a qualifique para desenvolver políticas públicas republicanas e transparentes.
b. Prazo: Fevereiro 2010
c. Método: Indicação e nomeação pelo Secretário.
11. Lançar o edital para a realização de Concurso Público para a SC-GDF
a. Objetivo: Complementar o quadro efetivo de servidores da secretaria de cultura
b. Prazo: 10 de abril de 2011
c. Método: Utilizar o processo 0150-001057/2009 - SEPLAG que prevê a contratação de 50 analistas e 50 técnicos para a carreira de “Atividades Culturais”. O Concurso já esta previsto na LDO de 2010.
12. Criação do Comitê de Patrocínio à Projetos e Políticas Culturais GDF
a. Objetivo: Ampliar a capacidade de investimento, com a participação da empresas públicas do GDF, em projetos e políticas culturais.
b. Prazo: Abril 2010
c. Método: Processo de negociação com as empresas públicas do GDF encabeçado pelo Secretário.
13. Seminário GRC’s e Gestores dos espaços culturais.
a. Objetivo: Criar interlocução com os Gerentes de Cultura das 30 Regiões Administrativas.
b. Prazo: 10 de abril de 2011
c. Método: Através da realização de seminários construiremos a compreensão e interação das gerências e a Secretaria de Cultura.
Nossa Presidente Dilma mencionou belas passagens de Guimarães Rosa no seu discurso. Lembro aqui diante desses desafios a palavra de Riobaldo, no Grande Sertão: “O sol procura é a ponta dos aços!” Bem vindos à tempestade!
Brasília, 3 de janeiro de 2011.
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13 janeiro 2011
Panorama da comunicação e das telecomunicações
Publicação do IPEA sobre comunicação e telecomunicações traz coletânea de textos sobre o setor
O primeiro volume se concentra em estudos sobre tendências das telecomunicações. Mas inclui também o estudo de Gilberto Maringoni, "Comunicações na América Latina: progresso tecnológico, difusão e concentração de capital (1870-2008)".
Também consta deste primeiro volume meu texto "Comunicação institucional do poder público" (páginas 167 a 181). Trata-se de uma proposta para organizar a comunicação do Estado como uma forma de serviço público.
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11 janeiro 2011
Três cenários para Dilma
"Três cenários para o governo Dilma: um cenário lulista, marcado pela radicalização do binômio crescimento com inclusão social. Um cenário paloccista, dominado pela agenda de estabilização macroeconômica. E um cenário de sarneízação, com o esgarçamento da coalizão governante, crises, antecipação sucessória e oposição extremada".
Antonio Lassance. Artigo publicado na Carta Maior, 11/01/2011
Trabalhar com cenários futuros ainda é uma boa maneira de organizar o que está por vir na forma de um leque que cobre o que se quer ver acontecer, o que é possível ocorrer e o que se quer evitar. No caso do governo Dilma, pelo menos três cenários podem ser vislumbrados.
O cenário ideal, ou de referência, pode ser apelidado de lulista, pois tem como traço marcante a continuidade e a radicalização (ou seja, o enraizamento e aprofundamento) das políticas públicas do governo Lula , sob o binômio crescimento com inclusão social. Seu emblema é a eliminação da miséria. Seu pressuposto é a continuidade do ciclo virtuoso que combina crescimento econômico em patamares acima da média dos últimos oito anos e a ampliação das políticas sociais universais e de equidade.
Um segundo cenário pode ser apelidado de paloccista, pois reproduziria a agenda que prevaleceu entre os anos de 2003 a 2005. Sua tônica seria o equilíbrio macroeconômico, com prioridade absoluta para o controle da inflação. Seus fundamentos seriam a manutenção da taxa de juros em patamares elevados e um rigoroso e contínuo ajuste fiscal, com corte de gastos e recordes de arrecadação tributária para a geração de superávits primários expressivos. Em paralelo, o governo dedicaria grande esforço a uma agenda permanente de reformas, várias delas tramitando de modo simultâneo: tributária (meramente simplificadora, sem mexer em sua estrutura regressiva), microeconômica, previdenciária, política, trabalhista e tantas outras possíveis e imagináveis, mas politicamente inviáveis.
Para o terceiro cenário, vamos usar como referência o governo Sarney. Como se sabe, foi um governo que chegou a contar com ampla maioria congressual, mas que se foi fragmentando. A erosão do capital político acumulado agravou-se com a instabilidade econômica. Num cenário sarneísta, o estrangulamento da sustentação política do governo inviabilizaria qualquer agenda (lulista ou paloccista) e o deixaria suscetível a crises permanentes, sem retaguarda para a sua defesa. Ao mesmo tempo, a oposição consolidaria seu viés extremista. Fortes sinais dessa possibilidade apareceram durante a campanha Serra: discurso agressivo e preconceituoso, combate sem tréguas e demonizador à pessoa da candidata (hoje presidenta) e formação de uma candidatura de oposição patrocinada e trabalhada meticulosamente pelas corporações midiáticas mais tradicionais - fenômeno que teima em reiterar-se a cada campanha eleitoral, desde 1989.
No primeiro cenário, a presidenta se valeria do caminho trilhado por Lula para consolidar um projeto político de dimensões ainda mais amplas. Como resultado, manteria bons níveis de aprovação popular, sustentação social e coesão de sua base política.
O segundo cenário retrocederia a uma situação que já se imaginava superada. O governo ficaria refém de uma agenda tímida, diante da expectativa de um salto adiante. O primeiro ano estaria reservado, assim como foi em 2003, à tarefa de arrumar a casa. Se descontextualizado da atual conjuntura, o fato tenderia a ser explorado, pela velha mídia e pela oposição, como uma contradição da imagem de céu de brigadeiro deixada por Lula. A popularidade do atual governo estaria em níveis distantes dos atingidos por Lula em seu último ano de mandato e mais próxima ao que esteve justamente entre 2003 e 2005.
O terceiro cenário resultaria da desagregação das forças que a duras penas foram reunidas em aliança para viabilizar a candidatura Dilma. O governo sofreria com uma baixa disciplina congressual, o que abortaria a possibilidade de implementar reformas importantes. Estaria obrigado a governar excessivamente por decreto, gerir sem inovar, tocar a máquina sem ousar grandes mudanças. Amargaria impopularidade e pouca vitalidade para a sua defesa na sociedade. Os partidos da base tentariam dissociar sua imagem da do governo, disputariam espaço a todo instante, para forçar reformas ministeriais, e se lançariam antecipadamente à sucessão.
Por sua vez, setores do PT encampariam um “sebastianismo” favorável à imperiosa necessidade da volta de Lula, enquanto PMDB e PSB acenariam com a possibilidade de candidaturas próprias (tal e qual na experiência do Governo Sarney, que foi solapado pela antecipação do debate sucessório e profusão de candidaturas egressas de partidos aliados). Trata-se de um quadro que não interessaria nem ao próprio Lula, pois levaria à erundinização do governo, desgastando, de roldão, a imagem do ex-presidente e do PT (tal e qual fizeram do governo Erundina, em 1989).
A rigor, cenários diferentes não são excludentes. Aliás, raramente o são. É difícil que ocorram em estado puro. É mais comum que despontem combinados, na verdade, engalfinhados, brigando um contra o outro.
Essa natureza instável e contraditória deixa o cenário que prevalece em um dado momento pronto para ser distorcido e engolido por seu reverso. A toda hora, se vê cada um deles tentando se firmar. Os que prevalecem são projetados também pelas circunstâncias. Não são objeto da vontade ou desenvoltura de um único ator político.
Lula teve que assumir um cenário paloccista entre 2003 e 2005, por conta da instabilidade econômica herdada do governo anterior, acirrada pelos temores insuflados na campanha de 2002. Da mesma forma, os temores atuais de que a economia está a um passo de fugir ao controle e de que a inflação voltou a ameaçar o sono dos brasileiros faz com que os médicos defensores do remédio amargo voltem a bater às portas do governo (a respeito, leia-se o artigo de Paulo Kliass, “Inflação: a mesma desculpa de sempre!”, na Carta Maior ).
Neste momento, os três cenários estão conflagrados, em franca disputa.
As dificuldades com o PMDB instilam o risco de o governo não contar com uma coalizão sólida no Congresso, o que impediria a presidenta de transformar seu poder de iniciativa (ancorado em suas prerrogativas) em poder de agenda (a aprovação congressual das matérias de seu interesse prioritário).
O cenário lulista tem como ponto prioritário a agenda social e desponta a cada passo que se dá em torno do plano de erradicação da miséria. Mas há ainda desafios que, se esquecidos, deixariam uma significativa agenda de mudanças na prateleira. É o caso da Consolidação das Leis Sociais e da regulamentação da Emenda 29 (que daria mais recursos à saúde, saindo da atual situação de subfinanciamento). Além disso, o PAC e a política de investimentos das estatais (Petrobras, com o pré-sal; Caixa Econômica, com o “Minha Casa, Minha Vida”; a política de crédito dos bancos públicos, entre outras), que dizem respeito à alavancagem econômica do País, carecem de uma perspectiva mais antenada com o longo prazo.
As reformas tributária, política, trabalhista e previdenciária são temas para debate. Nenhum deles projetou-se no debate eleitoral e os candidatos não os colocaram entre suas preferências. São temas mastodônticos, lentos demais por conta das inúmeras arestas federativas e jurídicas, por contrariar atores com poder de veto e contar com poucos estímulos diante da insegurança suscitada por suas mudanças.
A questão da regulação da mídia depende de uma clara demonstração de força do governo, que precisa certificar-se de que conseguirá aprovar no Congresso aquilo que pretende e segurar o “tranco” que levará se mexer no vespeiro que afeta um grande número de parlamentares - os que têm relações orgânicas com a atual configuração do sistema de concessões públicas de rádio e tv.
Consolidar um cenário favorável depende da contenção dos cenários adversos. Os primeiros cem dias são tradicionalmente o momento decisivo e definidor do que um governo pode vir a ser e de sua habilidade para tourear conflitos.
Para a presidenta Dilma, seus primeiros cem dias darão a embocadura de um governo que começou sem lua de mel, que carrega nos ombros a responsabilidade de colher o que Lula plantou e de realizar aquilo que o ex-presidente não teve tempo nem condições de concluir.
Em seu primeiro ano, um governo deve preocupar-se em fazer as coisas acontecerem, mas não pode descuidar de um requisito essencial: saber administrar as expectativas que levantou a seu respeito. A tendência é que se compare 2011 com 2010. O correto e justo, no entanto, seria comparar 2011 com 2003 - o primeiro ano de Lula com o primeiro de Dilma. A correção dessa expectativa é a primeira grande tendência que Dilma e sua equipe precisarão reverter, enquanto ainda há tempo.
É preciso lembrar que um governo, mesmo de continuidade, começa marcado por certa desaceleração, em função de um novo arranjo da coalizão governante, do assento de novos dirigentes, da realocação de sua burocracia, da redefinição de prioridades e do início de novos métodos de trabalho e de um padrão diverso de relacionamento, dentro e fora do governo. O avião pilotado por Lula pousou. O pilotado por Dilma terá necessariamente que fazer uma nova decolagem.
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