24 outubro 2016

Quando o negócio é prender

Um documentário explica como aumentar a população carcerária se tornou objeto de um dos lobbies mais fortes nos Estados e sua relação com a histórica criminalização dos negros naquele país.



Uma primeira reflexão que fica é que o sistema carcerário e a lei penal estão ligados a questões mais amplas - portanto, não se resolvem isoladamente. A segunda é que privatizar presídios pode não ser de fato uma solução, e sim, um outro tipo de problema.


Fonte:
O lucrativo negócio das cadeias superlotadas.
artigo de Marcos Sacramento, 
Diário do Centro do Mundo (DCM)
24 Outubro 2016. 



Documentário produzido pela Netflix explica como a combinação do passado escravagista, com o conservadorismo político e a pressão de grupos empresariais fizeram com que a população carcerária dos Estados Unidos se tornasse a maior do mundo.

“A 13ª Emenda” é dirigido por Ava DuVernay, de “Selma”, e conta como uma brecha na emenda que aboliu a escravidão foi usada para manter os negros sob regime de servidão e produziu reflexos até os dias atuais.

O texto da emenda que dá nome ao filme diz que “não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado”.

A exceção dada à “punição de um crime” foi oportunamente usada na reconstrução do Sul do país após a Guerra da Secessão. Na época, negros eram detidos por crimes insignificantes como vadiagem, condenados a trabalhos forçados e com isso voltando a uma condição análoga à de escravidão.

Segundo o documentário, que mescla imagens da época com depoimentos de intelectuais e ativistas da causa negra, a primeira onda de encarceramentos, ainda no século XIX, reforçou o estereótipo dos negros como propensos a atividades criminosas.





Apesar das origens remotas da cultura do encarceramento nos Estados Unidos, a maior parte dos 100 minutos do documentário é dedicada a compreender o passado mais recente, período em que o número de presidiários cresceu em taxas exponenciais.

O número saltou de 357 mil em 1970 para 2,3 milhões em 2015, fazendo com que os Estados Unidos tenham um quarto da população carcerária mundial.

A política de Guerra às Drogas é citada como uma das causas do aumento, mas o ponto forte do filme é apresentar ao grande público o grupo de lobby político Alec.

Sigla em inglês para Conselho Americano de Intercâmbio Legislativo, o Alec é um clube privado composto por políticos e corporações. A função é criar leis de viés conservador e as encaminhar para legisladores republicanos.

O Alec está por trás da lei “Stand Your Ground” (Não ceda terreno), do estado da Flórida. Em linhas gerais, ela diz que basta a pessoa se sentir ameaçada ou com a vida em risco para ter o direito de matar.

O documentário seguiu o dinheiro e constatou que a lei provocou um significativo acréscimo na venda de armas, a maioria delas vendidas pelo Walmart.

A cadeia de lojas fazia parte do Alec, de onde só se afastou após repercussões negativas da absolvição o autor do disparos que matou o adolescente negro Trayvon Martin, em 2012. George Zimmerman foi inocentado por base na lei “Stand Your Ground”.

Ainda no rastro do dinheiro, o documentário chega a outro apoiador do Alec, a Corporação de Correcionais da América (CCA). Primeira corporação de prisões privadas dos EUA, tem lucro anual de 1,7 bilhão de dólares.

A CCA teria se beneficiado de leis que levaram ao aumento da população carcerária, muitas delas propostas por quem? Pelo Alec. Tudo junto e mancomunado.

Manter 2,3 pessoas encarceradas movimenta uma cadeia de fornecedores, pois além da vigilância os detentos precisam de comida, roupas e tratamentos de saúde. Para cada um desses serviços há uma empresa lucrando.

Faturam até com as ligações telefônicas, com preço até cinco vezes maior em relação ao mundo exterior.

Outra fonte gorda de receita é a mão de obra barata e abundante oferecida pelos presídios e explorada por empresas como Boeing, Microsoft e até Victoria’s Secret.

A rede de interesses econômicos mostrada em “A 13ª Emenda” também existe aqui no Brasil, por enquanto em menor escala mas nem um pouco insignificante.

A empresa Umanizzare Gestão Prisional, que administra oito presídios em parceria com governos estaduais e tem projetos de construir outros dois, doou o total de 750 mil reais a três candidatos a deputado federal nas últimas eleições.

Um deles foi Silas Câmara do PRB do Amazonas. Ele foi um dos que votaram a favor da PEC 171/93, pela redução da maioridade penal, medida que contribuiria para o aumento do número de detentos e beneficiaria empresas como a Umanizzare.

Com uma população carcerária de mais de 620 mil pessoas (a quarta do mundo, atrás da Rússia, China e dos Estados Unidos) e com a sociedade dominada pela ideia de que a única solução para conter o crime é investir na repressão, o Brasil tem um potencial enorme para a indústria do encarceramento.

E o que não falta por aqui é gente interessada em faturar com essa nova modalidade de escravidão.
















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